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1.11.05

Go, Willy! 

Demorou quase uma semana para que eu criasse coragem e escrevesse esse texto. Escrever sobre um dos meus melhores e mais antigos amigos, que deixou muita gente com saudades eternas na noite da última quarta-feira, não é nada, nada, nada fácil. Escrever sobre perda, sobre o vazio que se sente seguido da lembrança dos bons e maus momentos que vivemos, também está entre as tarefas mais ingratas. Escrever sobre a forma estúpida como as coisas aconteceram e sobre a fragilidade da nossa vida, idem. Mas só me resta a escrita para homenagear o meu irmão Willy, codinome pomposo de Diogo Ramos Ribeiro.

Ele viveu exatos 23 anos, oito meses e 24 dias. Há 12 anos iniciou-se a nossa amizade, que nunca foi menos que intensa, e que não terá fim com sua morte, ocorrida no dia 26 de outubro, às dez e meia da noite. É difícil para alguém que tem sérias limitações para acreditar nas coisas metafísicas, como é o meu caso, aceitar, entender e se conformar com a morte de uma pessoa tão próxima e tão querida. Instintivamente algo me diz que ele está melhor dos que ficam na Terra. Torço para que isso seja verdade, para que realmente ele esteja melhor do que quando estava encerrado num leito de hospital, onde passou seu último mês de vida. "Deve estar". torço.

Era uma figura de contrastes, esse Willy. O que mais poderíamos pensar de um negão de quase 1,90 de altura e pra lá dos 150 quilos passeando com um poodle cor de abricó em plena Moreira César? Contava umas histórias difíceis de acreditar, mas era de uma sinceridade incrível. Era grosseiro muitas vezes, mas tinha na verdade um coração mole. Era pão-duro, mas capaz de atos de generosidade surpreendentes. Por mais que se esforçasse em manter sua fama de mau, colecionava amigos por onde passava: ele foi o cara mais sociável que conheci. E todos seus amigos tinham razões de sobra para sê-lo.

Sua casa era o principal ponto de encontro da nossa turma, desde os tempos em que éramos pirralhos, atletas e salesianos. Sempre passávamos os dias lá, sem fazer nada, ouvindo música, arranhando algumas guitarras, devorando hambúrgueres e pizzas, assistindo a uns filmes, vendo o tempo passar. Lá fizemos as reuniões de pauta do Aneurisma Social - O Zine, lá deliberávamos sobre nossas viagens, sobre os churrascos. Lá era o ponto de partida para as nossas andanças à toa pela cidade, e, não raro, era também o ponto de chegada. Durante anos essa foi uma programação agradavelmente rotineira, que teve sua última edição em meados de setembro, uma semana antes dele fazer a maldita cirurgia. Comemos pizza, assistimos a "O Incrível Exército de Brancaleone", olhamos algumas fotos tiradas por ele e por fim nos despedimos. "Boa sorte, camarada, aposto que não vai ser nada de mais". Foi a última vez que ele nos viu entrar no elevador do 17º andar.

Ele gostava de dizer que sabia o dia de sua morte, que sabia como morreria e tal. Obviamente nunca acreditei nisso. Se fosse verdade ele não faria a cirurgia para a redução de estômago, não se empolgaria com a possibilidade emagrecer, não se entusiasmaria com a idéia de ver o Pearl Jam ao vivo, não lutaria bravamente durante um mês na CTI, após quatro cirurgias. Na última vez que estive com ele, há dois sábados, com dificuldade me pediu para comprar para ele o ingresso para o show. Cumpri a promessa na quarta-feira passada, primeiro dia de vendas. Feliz da vida já planejava, no dia seguinte, dar um pulo no hospital e dar a notícia que ele esperava há mais de uma década: "seu ingresso está garantido, agora trate de ficar bom e levantar daí pra conseguirmos um lugar lá na frente, cara". Mas quem recebeu uma notícia na manhã seguinte fui eu; a única que eu não desejava ouvir. Willy não chegaria a receber o pedaço de papel com que tanto sonhou. O ingresso está guardado, e provavelmente permanecerá assim. Agora meu amigo não precisa mais dele, não vai ter que pegar ônibus, enfrentar fila, suar no meio da multidão. Ele assistirá a tudo de camarote com uma visão privilegiada, e, naquele dia, eu sei que ele estará muito feliz.

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