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20.4.04

Vingou 

Quanto ao texto da última sexta-feira: vingou. Ontem, exatamente quatro meses depois da minha saída, voltei às Organizações, mais precisamente no Jornal de Bairros, de O Globo, para substituir a futura diretora de redação do Estado de Minas, Renata Férrer. Uma tarefa um tanto intimidadora por si só. Intimidadora também é a aura de "segunda-chance" que cerca essa minha volta. Já que eu saí por conta de meus erros e defeitos, a obrigação de acertar agora é muitas vezes maior. Só depende de mim, da minha atenção, do meu trabalho. Quando isso é posto desde o início dá um certo medo, bem comum, aliás, em quem levou uma porrada bem dada. Mas logo me vem à cabeça a grande oportunidade que é voltar a trabalhar e estar ao lado de grandes amigos.

Muito feliz e um tanto receoso. É assim que (re)começo segunda-feira que vem no Globo. Espero que tudo isso dure bastante, que os meus superiores não se arrependam, e que, principalmente, a comida do Info Grill continue como antes.

PS: Prometo que não vou me lamentar por muito tempo.

16.4.04

Será que vai? 

Uma luz no fim do túnel. Forte e distante tanto quanto fraca e próxima. Será que vai vingar dessa vez? Será? Será? Até segunda-feira.

12.4.04

O Clube do Bolinha 

Em julho do ano passado, como estagiário da Geral do Intrépido jornal Extra, fui a uma coletiva com o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Na ocasião, nosso estimado secretário apresentava à imprensa o suposto culpado pelo disparo que deixou a estudante de enfermagem Luciana Novais tetraplégica. Luciana foi atingida por uma bala perdida durante um tiroteio dentro do Campus Rebouças, da Universidade Estácio de Sá, em maio de 2003.

Depois de dois meses e seis linhas de investigação (sic) diferentes, Garotinho, enfim, julgou ter encontrado o então inimigo número um da Secretaria: o traficante Elton dos Santos, vulgo Batata. Ele já estava preso pelo homicídio de um rival, um mês antes, no Morro do Turano. A prova concreta para a solução do caso, na opinião de Garotinho, era um laudo que atestava que a bala que atingiu Luciana e a que matou o rival de Batata saíram da mesma arma. Mas a arma não foi encontrada e nunca se provou de fato que o acusado esteve presente no tiroteio na faculdade. Além disso, uma arma simples como um revólver, dentro de uma quadrilha, não é de uso exclusivo de um só elemento. Muitas dúvidas, pouquíssimas provas e caso encerrado, não se fala mais nisso.

No mesmo mês estive em outra coletiva, desta vez com o secretário estadual de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, por conta do assassinato de um diretor do Complexo Penitenciário de Bangu, Paulo Roberto Rocha. Ele foi morto por motoqueiros na Avenida Brasil, quando voltava para casa. Não ficou clara a motivação para o crime nem os seus autores, mas uma coisa Astério tinha certeza absoluta: a culpa pela morte foi, ao menos em parte, do defunto. "É um risco natural do cargo. O Paulo Roberto era valentão, não queria usar colete a prova de balas nem andar com segurança particular. Eu falava para ele se cuidar, mas ele não escutava". Como se estivesse falando de um garotinho (ops!) que se queimou apesar dos conselhos da mãe em não mexer com fogo. Caso encerrado, nunca mais se falou no assunto.

Em outubro do mesmo ano, já como estagiário da reportagem da CBN, compareci a uma reunião entre a cúpula (ui!!!) da Segurança fluminense e a relatora especial da ONU para execuções sumárias, Asma Jahandir. Ela ficou uma semana no Brasil e ouviu horrores sobre abuso de autoridade e execuções extra-oficiais por parte dos nossos agentes legais. Como o Rio, óbvio, tem papel importante na matança policial, Asma se encontrou com Garotinho, Astério e Cia. no imponente Palácio Laranjeiras. Para resumir, nosso secretário e seus asseclas acabaram causando a maior confusão, negando os dados que a relatora tinha e dizendo que, na verdade, a culpa pela situação era das tradutoras, que não foram capazes de passar para Asma as informações corretas. Mal-estar no salão e o sorrisinho cínico do nosso ex-governador, secretário e primeiro-consorte. Caso encerrado, não se fala mais no assunto.

Essas lembranças me vieram à cabeça depois dos acontecimentos das últimas semanas. Alguns quase cômicos, como o interrogatório do caseiro dos Staheli, outros trágicos, como as trinta pessoas que morreram nos últimos sete dias (mais de dez só na Semana Santa), no Rio de Janeiro. Os fatos são chocantes, ainda mais numa região dominada pela violência e pelo medo há anos, sem trégua. Neste cenário, declarações e atos ridículos daquele que deveria ser o responsável pela segurança dos cidadãos do estado são tão aterradoras quanto as cenas da batalha travada na Rocinha nesses dias, suas balas traçantes, as crianças amedrontadas, os trabalhadores impedidos de voltar para casa, as vítimas inocentes. Não sei se é uma comparação feliz, mas o Rio hoje é como um navio em meio a uma tempestade, e Garotinho, um comandante que passa o tempo todo correndo para lá e para cá, visivelmente desesperado, tentando convencer os outros de que está tudo bem. Seria hilariante, se os náufragos não fôssemos nós.

Todas as vezes em que estive frente a frente com o Xerife Bolinha, marido de Dona Rosinha, não consegui acreditar em uma só palavra que saísse por aquela boca. Cada afirmação soava, na melhor das hipóteses, como uma enorme besteira dita por alguém que não tem preparo algum para o cargo que exerce. Garotinho acredita que seu dom da comunicação ainda consegue enrolar a imprensa e, principalmente, a população. Começo a acreditar que até o povo, que votou cegamente na Dona Rosinha e no próprio Tony, já começa a duvidar do que o nosso comunicativo secretário fala.

Além da mania de achar que todo mundo é palhaço ou idiota, faz parte do jeito Garotinho de se fazer política a procura pelo caminho mais curto para solucionar graves problemas sociais. Em outras palavras, demagogia. O povo tem fome? Façamos um restaurante a um real. O povo não tem dinheiro nem condução para voltar para casa depois do trabalho? Façamos um hotel a um real? A população pobre não consegue passar no vestibular? Vamos criar cotas nas universidades estaduais. As favelas não param de crescer e é cada vez mais difícil a penetração da polícia ali? Que seja construído um muro! Quem sabe, se for bem alto e pintado de verde, além de solucionar o problema da violência, o muro também não mascara a questão da favelização, tão nociva à especulação imobiliária no Rio? De fato, é um gênio esse nosso tão iluminado secretário e sua senhôura. Mas o povo continua com fome, sem dinheiro, sem transporte público decente, se emprego, sem educação, sem segurança. Mas caso encerrado, não se fala mais nisso.

Pior que a incompetência é a desonestidade. Assim como a autoria do disparo que aleijou Luciana foi jogada para cima de um traficantezinho pé-de-chinelo que já estava preso, a morte do diretor de Bangu foi atribuída à sua própria valentia, e a má impressão que a relatora d ONU teve (com toda a razão) da nossa Segurança Pública (sic) foi obra da imperícia das tradutoras, a culpa agora da confusão no caso Staheli é dos policiais, que enganaram o nosso incauto e inocente xerife. Ainda não se sabe quem é o culpado pelo terror instalado na Rocinha. Mas não se assuste se for você. E nesse caso, camarada, a lei é pesadíssima. Vide o nosso bem-nutrido xerife Bolinha.

8.4.04

Como um espírito adolescente 

Há exatos dez anos, no 08 de abril de 1994, o corpo de Kurt Cobain era encontrado, no sótão de sua casa, por um eletricista. Três dias antes o líder do Nirvana dava cabo a sua vida com um tiro de espingarda na própria cabeça. Um fim trágico para um dos principais nomes da cultura do século XX. Trágico sim, mas não imprevisível. Como um gênio, que de fato era, dificilmente teria um fim de vida menos terrível. Cobain, assim como sua obra, era seminal demais para envelhecer. Morreu aos 27 anos, apenas três depois de se tornar um super rock-star, e no seu auge criativo.

Dez anos depois da fatídica notícia, o que escrever sobre Kurt Cobain? Não quero tentar explicar ou desvendar as possíveis causas que levaram o líder do Nirvana ao suicídio, ou narrar a incrível trajetória do trio de Aberdeen, Washington, direto ao posto de maior banda de rock do planeta, do dia para a noite. Nada disso, deixa fluir.

Não conheci o Nirvana da maneira que muitos se orgulham de ter conhecido. Não identifiquei ali um evento tão especial logo de início. Em 1991, tinha nove para dez anos e era um garoto que amava os Beatles, os Rolling Stones, Santana e Raul Seixas. Não ouvi "Smells Like Teen Spirit" no radio, até porque não gostava de rádio, e nem tinha MTV em casa. Não tinha nem ao menos um irmão mais velho, a primeira influência nesses casos. "Deve ser mais uma dessas merdas, tipo Guns n’Roses" pensei na época, recorrendo ao paradigma mais apropriado para "super-banda-de-rock" de então.

Foi em 93, durante a edição carioca do Hollywood Rock, que vi que havia me enganado. As cenas de uma figura frágil, debilitada pelos excessos, se arrastando de vestido no palco, destruindo sonora e fisicamente seus instrumentos e simulando um debochado ato sexual com a câmera de TV foram chocantes para um pré-adolescente que só conhecia o lado A do rock’n’roll. Não fui ao show. Ironicamente a revolução foi televisionada pela Rede Globo, ao vivo ou em compacto, já não me lembro.

O som e a fúria daquela noite certamente mudaram não só a minha, mas a idéia de muitos da minha geração sobre o que era verdadeiramente uma "banda de rock". Sem superlativos desnecessários.

Da descoberta à notícia trágica, um ano e pouco se passou. No dia 08 de abril de 94, alguém me falou que Kurt Cobain, "aquele roqueiro drogado", havia se matado. Não acreditei na hora. A notícia, desta vez, fora confirmada pelo rádio.

Não posso afirmar, mas creio que a importância de Cobain e do Nirvana, para uma determinada geração, só podia ser comparada com a de Elvis, Beatles, Hendrix e Sex Pistols, cada qual em sua época, cada um mudando drasticamente o rumo musical do século passado. Os quatro acordes displicentes que, em sete segundos, saíam da inocência à selvageria, os trôpegos versos iniciais e os berros do refrão fizeram de "Smells Like Teen Spirit" o hino inquestionável de seu tempo, quando os ideais eram tratados com cinismo e a revolta adolescente era artigo comercial (algo muito diferente dos dias de hoje?). "Smells..." abria não somente "Nevermind" (o equivalente musical à "obra-prima"), mas sim todo uma nova era para o rock.

A mistura de guitarras distorcidas e melodias pop pode não ter sido inventada pela banda, mas se tornou sua marca registrada, presentes em todos os seus discos: o visceral "Bleach", o mitológico "Nevermind", o surpreendente "Incesticide", o angustiado "In Utero" e o cândido "Umplugged In New York". Neles está contida a inquestionável prova da genialidade de Cobain e seus parceiros. Como ir da pesadíssima "Negative Creep" à suavidade melancólica de "All Apologies"? Da ironia de "In Bloom" à desilusão completa de "Serve the Servants"? Da melodia de "On A Plain" à falta dela de "Milk It"? A mesma versatilidade que permitia a banda tocar nos mais altos decibéis em uma noite e gravar, na seguinte, o melhor de todos os acústicos da MTV.

Como todo grande fenômeno cultural, o Nirvana não foi o responsável apenas por seu sucesso. Sua exposição evidenciou o celeiro de grandes bandas que era Seattle no início dos anos 90, com nomes do peso de Pearl Jam, Alice In Chains, Soudgarden, Screaming Trees e Mudhoney. Muitos outros nomes fundamentais da cena alternativa americana tiveram sua chance, muitos com anos de carreira. Sonic Youth, REM, Smashing Pumpkins, Butthole Surfers, Janes Addiction, Red Hot Chilli Peppers, L7, Bad Religion e Stone Temple Pilots, só para ficar nos mais famosos, passaram a integrar o primeiro time do rock mundial. Efeitos do furacão Nirvana. A indústria musical já não podia fechar os olhos para o underground. Hoje, tudo o que surge de novo tem um quê de Nirvana. Strokes, Withe Stripes, Vines, Queens Of Stone Age e outros tantos vira-e-mexe são apontados como o "novo Nirvana", erro que a indústria fonográfica insiste em repetir desde que um certo caminhoneiro Elvis gravou meia dúzia de músicas bregas para sua mãe. Para o bem ou para o mal, a influência de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl não pode ser desprezada.

Mas já se passaram dez anos e parece que foi ontem. A cada ano a data de hoje é lembrada. Todo ano inúmeros garotos e garotas tomam conhecimento da obra de Cobain e se tornam fãs. Inúmeros discos ainda são vendidos, assim como DVDs, camisetas, livros e o que mais for possível. E a emoção para mim é sempre igual. Tenho a impressão de que, daqui a três décadas, serei igual aos coroas que hoje desfilam felizes da vida com suas camisetas pretas do Ramones ou se arrepiam toda vez que escutam "Help". Cada música do Nirvana, cada verso cantado por Kurt Cobain ainda ressoa no meu peito como se eu tivesse 14 anos. Como se ainda tivesse um espírito adolescente.

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